O passeio de trem e a jurisprudência do Supremo
Romance forense | Publicação em 26.11.19Charge de Gerson Kauer

Viajante internacional frequente, muito bem relacionado com centenas de advogados e ex-alunos, um ex-presidente da OAB gaúcha conta uma sutil esperteza que assistiu, em dois tempos (ida e volta) na última vez em que usou o excelente serviço ferroviário da Itália.
Na ida
São dois grupos de profissionais viajando de trem, de Milão para Roma, a fim de participar de uma mesma conferência. No primeiro, estão um advogado, um magistrado e um procurador de justiça. No segundo, um governador, um deputado e um senador. Os seis personagens são, todos, da região centro-oeste.
Na estação de partida, os operadores do Direito compram três bilhetes, mas percebem que os outros três – maganos políticos - adquirem, em conjunto, um só bilhete.
- Como viajarão com uma única passagem? – pergunta o advogado.
- É só esperar... – responde o deputado.
Então, todos embarcam. Os operadores do Direito vão para suas poltronas, mas os três políticos se trancam, juntos, no mesmo banheiro. Cinco minutos depois da partida do trem, o fiscal chega para a rotineira conferência dos bilhetes. Bate na porta da toalete e pede:
- Il biglietto, per favore!
A porta abre uma pequena fresta e, por ela, apenas uma mão (do senador) entrega o bilhete. O fiscal pega, faz a perfuração de praxe, agradece, devolve, e segue conferindo os tickets das demais pessoas sentadas. Em seguida, passa a outro vagão. Os três espertos saem e vão ocupar as poltronas.
Na volta
O advogado, o juiz e o promotor acham a ideia genial e, três dias depois, encerrada a conferência de Direito Internacional resolvem imitar os três políticos e, assim, economizar algum dinheiro.
Como o Direito não é uma ciência exata, os operadores jurídicos, com a criatividade que é peculiar às filigranas de suas profissões, resolvem incrementar.
Quando chegam à estação, a história se repete: os três políticos compram só um bilhete. Mas para espanto deles, o advogado, o magistrado e o procurador de justiça compram nenhum...
- Mas, como é que vocês vão viajar sem passagem? – o senador pergunta perplexo.
- Esperem e verão!... – responde um dos operadores jurídicos.
Todos embarcam. Os políticos se espremem dentro de um dos banheiros, à esquerda; os operadores do Direito numa toalete à direita do vagão. O trem parte. Imediatamente, o advogado sai, vai à porta do banheiro onde estão os políticos, bate e solicita:
- Il biglietto, per favore!
A porta abre uma pequena fresta e, por ela, a mão do governador entrega o bilhete. O advogado pega o ticket.
O magistrado e o procurador festejam e evocam Marco Aurélio:
- Jurisprudência do Supremo formada! Sem trânsito em julgado não há culpa!