
Mentiras coloridas
Publicação em 20.04.20Chargista Milton César - http://miltoncharge.blogspot.com/

No final da tarde, última audiência da pauta, na semana antes das eleições de 2014, uma reclamação trabalhista busca o reconhecimento judicial de uma relação de emprego. Afirma o reclamante ter trabalhado vários meses na construção de uma “casa grande” nas proximidades do Shopping Iguatemi, no bairro Chácara das Pedras, em Porto Alegre.
O dono da casa traz como testemunhas o engenheiro e o mestre da obra, negando em sua defesa peremptoriamente a contratação do reclamante. A seu turno, o autor arrola duas testemunhas.
Os depoimentos das partes não oferecem surpresa. Todavia, ao apregoar a primeira testemunha do autor, salta aos olhos do juiz que ela morava em Esteio, na Vila Nova. Conferindo os endereços do autor e da testemunha remanescente, o magistrado verifica que os três residem na mesma vila.
Por si só o fato não é relevante, pois é comum empreiteiros contratarem operários a partir de um que indica os outros. Mas, o julgador intui algo e aprofunda a busca pela verdade.
- ... Vinham juntos para o trabalho? - pergunta.
- Sim doutor, morávamos perto, o ônibus geralmente era o mesmo - responde a testemunha.
O juiz surpreende a cena, ao perguntar se a testemunha era colorado ou gremista. Ele responde ser colorado.
De pronto o magistrado também indaga se, como torcedor do Inter, já esteve no Beira-Rio.
- Claro, doutor, conheço muito bem.
- Para chegar na obra o senhor lembra de passar de ônibus na frente do Beira-Rio?
- Sim, tanto na ida como na volta!
Em relação à testemunha seguinte, a situação se repete, salvo pelo fato de ser gremista, “que passava ali na Azenha, pertinho da curva”.
O juiz também já tinha perguntado detalhes sobre a obra. Tanto o autor, como as testemunhas, afirmaram que fizeram de tudo: alvenaria, hidráulica, elétrica e pintura.
Encerrado o depoimento da segunda testemunha do autor, o magistrado solicita que as duas saiam da sala de audiências, permanecendo o reclamante, que passa a ser reinquirido:
- Senhor Augusto, qual a cor aplicada na casa?
O homem revela um espanto indisfarçável:
- Não lembro muito bem, mas puxava para o "marrom”.
A mesma pergunta é feita na reinquirição das testemunhas. Uma afirma que era verde e a mais exaltada com o coloradismo reinante, diz que era do tom vermelho.
No dizer policial, “caíra a casa”...
O juiz fica silente alguns segundos, pensando em determinar que os três, ou dois deles, ou pelo menos um comparecessem à secretaria da vara, para a lavratura de um termo de arrependimento eficaz – anterior a sentença.
Mas não foi preciso. Era véspera das eleições de 2014 - como escrevi no introito. O reclamante - que de trouxa nada tinha - pede permissão e desfia:
- De tanto ver o horário eleitoral, eu me senti incentivado a mentir. Reconheço que errei. Peço o perdão judicial.
A revelação consta do termo de audiência, todos são mandados embora e a sentença é de improcedência.
Transitou em julgado.