
Revelação a portas fechadas
Publicação em 13.12.21Charge de Gerson Kauer

Sessão de uma câmara cível do TJ, sala abarrotada, uma chamativa advogada, possíveis 40 de idade, faz uma sustentação oral veemente, em favor da alteração do registro civil de sua cliente. Esta se tinha por mulher mas fora registrada com nome e sexo masculinos. Em função de algumas controvérsias físicas e factuais, a sentença de primeiro grau negara o pedido.
À medida em que vão sendo relatadas peculiaridades do caso, advogados que esperam os julgamentos seguintes se alvoroçam nas cadeiras e cochicham entre si. A advogada então, interrompe a sustentação e gesticulando pede ao presidente:
- Excelência, requeiro que a sessão prossiga a portas fechadas. É que vou fazer uma íntima e reveladora informação. E não gostaria que ela se tornasse pública.
Os desembargadores olham-se entre si, maneiam a cabeça afirmativamente e o presidente defere:
- Embora seu pedido devesse ter sido feito antes de iniciado o julgamento, ainda assim vou atendê-lo. E desde logo, em nome da câmara, desculpo-me ao solicitar que os presentes deixem a sala por alguns minutos. A nossa sessão prosseguirá, momentaneamente, sob o manto do segredo de justiça.
Algumas feições surpresas, outras contrariadas etc., a determinação é atendida. A sala de julgamentos fica sem “intrusos”. A porta é chaveada por dentro e, dois minutos depois, a sessão continua.
Certificando-se que o segredo de justiça está sacramentado, a advogada prossegue e revela:
- Senhores desembargadores, eu própria sou uma transgênero! Sou um indivíduo que não se identifica com o gênero que me foi atribuído ao nascer.
E põe-se a revelar algumas peculiaridades dela e de sua cliente, até arrematar:
- Estou convicta de que os senhores desembargadores e o representante do Ministério Público, profundos conhecedores de páginas e experiências de vida de variadas opções e variações sexuais, bem entenderão a extensão do drama que se retrata no processo.
A apelação afinal é provida: a alteração de registro civil é deferida. O relator – que semanas depois veio a ser eleito presidente da corte - proclama o resultado. E logo diz que, extra autos, precisa fazer um reparo. E olhos fixos na advogada, arremata:
- Doutora, um detalhe não pode passar ´in albis´. Sobre estas variações sexuais que a senhora se referiu – de que, talvez, meus dois colegas de câmara e eu fôssemos conhecedores - preciso deixar que claro que... pessoalmente nenhum de nós entende nada disso!
O agente ministerial não perdeu o ritmo:
- Faço pessoalmente o mesmo registro.