
Perfumes jurisdicionais
Publicação em 29.03.22Charge de GERSON KAUER

Audiência de ação penal relativa a roubo à mão armada, ocorrido em loja de perfumes, com prisão em flagrante do assaltante em fuga. O magistrado - homem elegante, traje bem cortado, penduricalhos pingando em sua conta - ouve, como vítima, a dona do estabelecimento. Aos 30 de idade, ela exala fragrância típica aos melhores perfumes franceses.
Aos soluços – mesmo passados vários meses desde a investida criminosa – a vítima ainda está em choque existencial. Quando o magistrado indaga sobre o possível reconhecimento visual do acusado, ela quase entra em síncope.
A escrevente alcança-lhe água, o promotor oferece balas de hortelã, a vítima não aceita participar do reconhecimento – no que, aliás, está certíssima. A ela é sugerido então que, para evitar justamente o encontro visual com o facínora, aguarde no contíguo gabinete do juiz.
Este, na sequência, ouve as testemunhas, interroga o réu e manda chamar os agentes penitenciários para a volta do réu ao presídio. De repente, o celular do magistrado tilinta, ele pede desculpas e ausenta-se do recinto para atender a ligação:
- Vou à minha sala. Por favor, aguardem um minuto.
Quando se prepara para retornar à sala de audiências, o magistrado é surpreendido pela vítima:
- Doutor, o senhor tem compromisso hoje à noite?
O juiz polidamente responde “já ser compromissado diuturnamente há muitos anos”. A mulher sorri insinuante e diz ter gostado “do que acabei de ouvir, mas lhe asseguro que eu não estou a fim de compromissos sérios”.
O magistrado capta o recado e objetivamente sugere que seria melhor, para ela, “buscar alguém mais novo”. Claramente – mas sem explícitas palavras – ele dá a entender que, com 50 de idade, não tem mais disposição física para as maratonas sexuais que parecem ser almejadas pela jovem mulher.
Ela volta à sala de audiências; o juiz também. Ele senta-se para presidir os derradeiros momentos. E – após um suspiro – evoca Vinicius de Moraes, o poeta das muitas mulheres: “A vida é a arte do encontro, embora haja tantos desencontros pela vida”.
Os demais presentes entreolham-se sem entender o porquê da frase, aparentemente fora do contexto jurisdicional.
Ao que interessa: duas semanas depois o assaltante é condenado a seis anos de prisão. E a loja de perfumes continua ativa.